quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Oleg Belly

Diário de Bordo em 06 de outubro de 2016

Dia 20 de maio deste ano (2016) perdemos o grande navegador Oleg Belly, sob o comando e cuidados de quem naveguei até a Península Antártica.

Foto 01: Oleg Belly preparando o tradicional SAN NICOLAI servido antes da travessia do Drake. Port Gable. Canal de Beagle.
 Fonte: álbum pessoal do autor

Na ocasião (2011), pretendendo impressionar o Comandante, comprei em Ushuaia um Blue Label antes de embarcar e o entreguei com toda cerimônia dizendo dos 21 anos em que essa maravilhosa bebida fica destilando pelas terras escocesas até chegar em nossos copos.

Oleg guardou a bebida agradecido e disse que quando chegássemos no continente Antártico, em nossas ancoragens , beberíamos um bom gole juntos, todos os dias. Isso bastou para me animar. Tradição da Royal Navy aos seus marinheiros, em troca de uma boa faina, um bom copo de scotch.

Aproximávamos de Decepcion Island, nossa porta de entrada no Círculo Polar Antártico, o Comandante deu ordens ao seu Imediato (e filho) Igor Belly, que pegasse uma pedra de gelo no mar, já um bom sinal de nossa proximidade do Continente Branco e Igor assim o fez, colocando a pedra de gelo em um balde no convés.

Chegada a hora de nosso importante compromisso, já ancorados em segurança em Telephone Bay, dentro de Deception Island, ele me serviu uma boa dose do famoso e antiquíssimo Blue Label, pedindo no entanto que Igor quebrasse o gelo pego ao mar, e servindo um bom whisky on the rocks.
Foto 02: seabergs espalhados pelo mar.
 Fonte: álbum pessoal do autor

 Foto 03: Kotic ancorado em Telephone Bay.
Fonte: álbum pessoal do autor 

O momento não poderia ser mais especial. Antártica, a bordo do emblemático Kotic, na presença do famosíssimo Comandante Oleg Belly, prestes a desfrutar de toda gentileza de um Blue Label, com 21 anos de idade!!!!! e ainda on the rocks...uau!!!!!

Whisky nas mãos, Oleg pede para que eu preste atenção no estalar que vinha da pequena de pedra de gelo imersa no Blue Label, fragmento de, um dia, um imponente "iceberg". Encostei os ouvidos junto ao copo (aqueles de requeijão) e ele me perguntou: -----"quantos anos tem esse whisky, Guta?? 'Respondi ainda orgulhoso, tentando disfarçar o desapontamento de experimentar pela primeira vez um Blue em um copo de requeijão (risos)
-----"21 anos Oleg!!". Ao que ele me falou: 
-----"está ouvindo essa bolhas de ar? Estão presas ai a milhares de anos..." engolindo de uma só vez a dose do já não mais tão excelente whisky.... 

Bom, assim era Oleg! Sua pátria se chamava MUNDO. O conheceu como poucos. Admirava cada detalhe da natureza e desfrutava desses momentos como se nunca houvesse ido à Antártica. Eu ficava impressionado em ver sua empolgação com uma baleia surgida na proa do veleiro, uma orca que com nós cruzou em rumos inversos no Estreito de Gerlach e assim por diante... isso era importante para ele. O simples.... 

O que era uma bebida com 21 anos de destilação se o gelo em que ela estava possui o ar de milhares de anos?? 

O autor do Blog do Avoante, Capitão Nelson (sim, temos o nosso!!) escreveu o seguinte sobre o falecimento do grande Oleg Belly.

"O homem do mar deixa pegadas sobre os oceanos que jamais se apagarão”. Oleg Belly, lendário e mitológico velejador, desembarcou do veleiro Kotik para traçar rotas nos oceanos celestiais. Oleg faleceu sexta-feira, 20/05/2016, vítima de câncer. O velejador deixa um legado maravilhoso para a vela de cruzeiro, principalmente para quem pretenda navegar pelo oceano austral. A bordo do Kotik, um veleiro fantástico, ele foi inúmeras vezes a Antártida e era um especialista na travessia do estreito de Drake, um dos mares mais amuados do planeta. Conheci Oleg em Natal/RN no final dos anos 90, quando de minha iniciação no mundo náutico. Ele navegava ao largo da costa do Rio Grande do Norte em direção aos EUA, quando decidiu alterar o rumo e adentrar em Natal para rever e abraçar o velejador Zeca Martino, veleiro Borandá. Ao se aproximar do Iate Clube do Natal, ele, a esposa Sophia e um dos filhos estavam no convés e olhavam para o clube, quando o saudoso marinheiro Galego, que estava fazendo manutenção no alto do mastro de um veleiro no píer do clube, deu o alarme que o KotiK estava pegando fogo e a tripulação não havia notado. Foi um corre corre geral. Naquela época existia uma balsa que fazia a travessia dos automóveis entre a zona leste e norte da cidade do Natal e por sorte existia uma base do corpo de bombeiros em um terminal da Petrobras, nas proximidades do porto. O clube acionou os bombeiros e uma das balsas ficou a espera do caminhão para apagar o incêndio do Kotik, tudo numa rapidez espantosa. O interior do veleiro queimou quase que por inteiro e a única vítima foi o gato de estimação de bordo que morreu queimado. O fogo foi causado por um curto-circuito no motor elétrico que suspende a quilha do veleiro. O Kotic teve que permanecer em Natal por vários meses e Oleg refez pessoalmente todo o interior do barco. A imagem que ilustra essa portagem foi retirada do blog Capitão Gutemberg, onde o autor conta relato de uma viagem feita a bordo do Kotic para a Antártida." 
Fonte: https://diariodoavoante.wordpress.com/tag/oleg-belly/

Uma bela homenagem do autor Capitão Nelson (visite o Blog Diário do Avoante)

Escolhi uma outra foto para me despedir de Oleg...uma que me marcou entre tantas que tirei, a dele ao leme do Kotic! Olhar atento a tudo e todos, pensamento absorto, no comando do que era mais que um veleiro, era sua casa, num mar tranquilo, entre tantos tempestuosos que cruzou, indo...simplesmente indo!

Foto 04: Oleg Belly comandando o Kotic na Antártica..
Fonte: álbum pessoal do autor

Bons Ventos Oleg Belly em sua jornada derradeira!

Boa navegação a todos! 
Capitão Gutemberg. 
Comandante da Embarcação MS Tradição.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Expedição à Antártica - 12º Dia - Suspendendo em Cuverville Island


Expedição à Antártica - 12º Dia - Suspendendo em Cuverville Island

Diário de Bordo em 2 de fevereiro de 2011 - Quarta-feira
12º Dia de Expedição

Temperatura: -2°C
Céu: aberto
Vento: 50° 
V.Vento: 7.2 Kn
V.Desl: 6.6 Kn - motor Dir: 251° Bar: 973.8 hpa 
Mar: navegação em canal - liso
Coordenadas: 64°49'18.6" S - 63°29'07,05" W
Por volta das 09:30 hs saímos de CUVERVILLE ISL a caminho de PORT LOCKROY. São aproximadamente 30 Nm de distância. Depois de uma noite de chuva o sol começou a dar o ar de sua graça.

Logo na saída da pequena baía em que nos encontrávamos, vimos um navio que deve ser russo.


 Ontem apareceu o navio da NATIONAL GEOGRAPHIC EXPLORER.

Nesta baía, entrando no ESTREITO DE GERLACHE apareceram quatro baleias que foi possível fotografá-las. Num dos momentos uma delas quase bate na proa do KOTIK, passando bem rente à superfície.







Após a navegação pelo GERLACHE entramos no CANAL NEUMAYER. O sol aberto propiciou a temperatura subir e que pudéssemos nos sentar no convés e apreciarmos - bem, a paisagem.

Um pouco antes de entrarmos no CANAL DE NEUMAYER fomos ultrapassados por um moderníssimo navio de cruzeiro. Eles deviam estar a uns 18 Kn e nós a aproximadamente 6 Kn.



Navegação pelo Gerlache

Chegamos em PORT LOCKROY quase 14:30 hs. O lugar se limita a 3 edificações construídas sobre rochas bem no meio de uma pequena baía. As casas são pretas com as janelas em branco e emolduradas com vermelho.


 Port Lockroy



Lá funciona um posto de correios onde vou poder enviar cartões para qualquer lugar. Há a necessidade de se solicitar permissão para ir até lá.

O navio de cruzeiro que nos ultrapassou chegou antes de nós e lotou a capacidade do local. Creio que somente amanhã (03FEV) a tarde vamos conseguir desembarcar lá.

Turistas

Aproveitamos e fomos andar em outras partes desta ilha e visitamos algumas pinguineiras para não perder o costume. Os pinguins ficam a cada dia mais simpáticos. Passam as vezes a menos de um metro de nós.




 Esculturas no gelo
 Qual a história desse bote

 Canal de Neumayer

 O posto mais isolado de uma embarcação
O autor

Subi a montanha que há ali -na verdade uma parte baixa dela, me sentando lá no alto para meditar um pouco.

"Tu Senhor que ´o Grande construtor de todas as coisas e que conhece profundamente a cada um de nós. Sou grato, Pai, pela Sua misericórdia e amor, que me permitiu ver partes desta tua obra e tantas criaturas. Como é complexo e eficiente a forma com que desenhou tudo. Cada coisa em seu devido lugar e com sua importância. Aqui nada é mais importante que outra. Todas se completam como completa é Sua obra. No nome de meu Salvador, Jesus. Amém"

23:05 hs - filmo pela última vez fora do barco.

Neva bastante esta noite.

 23:30 hs
Neve no convés

Álbum de fotografias dessa perna.


 Kotik
 Esqueleto de uma baleia
 o Autor
 Port Lockroy




 Caixa de Correios. Você compra os cartões e despacha da Antártica...e chega!!!

Eles estão em todos os lugares...filhotes de pinguim Gentoo


continua...

Boa navegação a todos! 
Capitão Gutemberg. 
Comandante da Embarcação MS Tradição.

quarta-feira, 23 de março de 2016

Cruzeiro Escoteiro Príncipe das Astúrias - Março 2016 - Parte II

Diário de bordo em 23 de março de 2016

Continuação do Cruzeiro Escoteiro Príncipe das Astúrias 



“Navegar é preciso!!”
           
Quando Fernando Pessoa escreveu esse poema, ele inicou dizendo que “navegadores antigos tinham uma frase gloriosa”. É verdade... aqueles que já navegaram sabem o significado da complexidade dessa afirmação.
Navegar é necessário! Navegar é uma arte! Navegar é precisão!
Nossos jovens Escoteiros do Mar (todos moradores do interior do Estado de São Paulo, Campinas) já estavam completando 24 horas embarcados, navegando, realizando as fainas próprias do veleiro, comendo, dormindo, restritos à água doce (ou pelo menos imaginando que sim) e expostos a todas as responsabilidades e prazeres que a vida a bordo pode oferecer.
Muitos deles nunca sequer foram até Ilhabela.... agora estavam indo da melhor forma possível...navegando!
Sábado acordamos cedo no Yatch Club de Ilhabela e fizemos o hasteamento da Bandeira ao som do apito marinheiro. Isso causou interesses de tripulações vizinhas. Uma delas da Argentina em viagem de instrução de vela oceânica, desde Buenos Aires e demandando Angra dos Reis. Do instrutor chefe recebemos um convite para um mês de aulas grátis em sua escola, com tudo incluído, alojamentos e etc... Que pena, em Buenos Aires. Nossos jovens não possuem essa condição. Levaram em contrapartida uma camiseta de nosso Grupo de Mar. Bons Ventos Capitão Ernesto e tripulação!!
Suspendemos no Yacth Club e rumamos para a Ponta de Pirabura onde seria realizada a cerimônia em lembrança às vítimas do naufrágio do Príncipe das Astúrias.
 



Lá na Pirabura, aconteceu a cerimônia com participação do NaPa Gurupa e outras embarcações civis que prestigiaram o evento.
Essa aproximação do nosso jovem do interior com a Marinha do Brasil – em pleno mar – explode numa reação de admiração e de civismo e fecha em si tudo o que aprendem sobre amor à Pátria no movimento Escoteiro.
Olhar para os olhos dos Escoteiros do Mar e ver o brilho é tudo o que podemos esperar em troca do trabalho voluntário.
Presentes no evento o Corpo de Bombeiros de São Paulo, membros da SOAMAR litoral Norte, Prefeito de Ilhabela, associados do Yacht Club de Ilhabela, familiares das vítimas entre outras autoridades.















Após a cerimônia seguimos para o Saco do Sombrio onde houve o lançamento de um livro a respeito do fato.
A noite ali, sem mais a presença de outros barcos, salvo as de pescadores, foi algo a parte. Os luzeiros no céu estavam ao alcance das mãos e aproveitamos para relembrar algumas instruções sobre astronomia. Lembramos a regra para identificar a posição Sul a partir do Cruzeiro do Sul (nome de uma das Patrulhas do Grupo), identificamos a constelação de Órion (o nome da nossa Tropa Escoteira), a constelação do Escorpião, meteoritos rasgaram a escuridão.... alguém gritou: um OVNI!!!! Risadas rasgaram o silêncio...



Tivemos tempo dedicado ao aprendizado de pesca de lulas...com sucesso!!!!

Amanhece o dia e bem cedo atracamos no píer da sub-sede do Yacht Club de Ilhabela. Primeiro desembarque de nossa tripulação. Tempo de embarque ininterruptos dos jovens: 46 horas! 



Quarenta minutos após todos a bordo e iniciamos nosso retorno para Bertioga.
Na derrota estabelecida uma passagem ao largo de Alcatrazes para os jovens conhecerem esse arquipélago tão próximo da costa.
Mas para isso muita faina a bordo...e os jovens aprendem rápido e se envolvem com as tarefas, sedentos do conhecimento e de participar ativamente de tudo a bordo.













Mas também teve muito tempo de sossego...











Com Alcatrazes na proa, mas ainda não no visual, fomos instruindo os jovens sobre a arte da navegação, os equipamentos eletrônicos, a agulha, anemômetro, direção do vento, frequência de ondas, nuvens, carta náutica, plotando posições a partir do GPS e por aí afora.

















Mas como não há recompensa sem sacrifícios, só mais um pouquinho de faina...

No caminho de volta, Deus Criador ainda nos brindou com mais dois aguaceiros…. que lavou nossas almas e batizou da melhor forma nossos jovens marujos e nos proporcionou......mais faina...












Atracamos em completa segurança as 17:00 horas de domingo (06MAR16) completando um total de 56 horas de atividades plenas de escotismo do Mar proporcionando aos nossos jovens um laboratório prático de Artes Marinheiras.
O resultado:







O jovem quando desafiado a assumir responsabilidades responde de forma inequívoca. Essas palavras do fundador Baden-Powell ecoavam em minha cabeça até o momento em que soltamos as amarras e iniciamos nosso cruzeiro. Sete jovens do interior do Estado, sem experiências desse nível. Como iriam se comportar? Iriam enjoar? O sistema de Patrulha iria funcionar embarcados por tanto tempo? Corresponderiam a tamanha responsabilidade? Permaneceriam unidos se houvesse alguma discussão? E se...? E se....? E se...?
Tenho certeza de que ao desembarcarem do grande desafio se tornaram outros jovens e que pelos restos de suas vidas irão levar consigo as lembranças e os aprendizados adquiridos. Caminharam com firmeza para serem “Melhores Cidadãos”.
E quanto a mim, o Chefe Escoteiro? Respondi a todas as perguntas que formulei no início com uma única resposta: confiança! Basta confiar em nossos jovens que eles correspondem a altura.
Um agradecimento mais que especial ao nosso Capitão, Sr Armando Oliveira e seu Imediato, marinheiro Gaúcho, por nos receber a bordo com tanto carinho, alegria, patrocinar toda essa aventura aos Escoteiros do Mar e por ter dividido com cada um, suas próprias experiências náuticas.
À eles nosso Bravo, Bravo, Bravíssimo!!!! Somados ao nosso Bravo Zulu!!!









                  Desejamos a todos nosso...
Sempre Alerta e Bons Ventos!!
E por isso cantamos:
“Em cadência firme e sã, nossos peitos faz vibrar, o Rataplan, Rataplan, Rataplan, dos Escoteiros do Mar!!”.
Rataplãn do Mar – Hino dos Escoteiros do Mar do Brasil
O escotismo nos proporciona esses momentos de conhecimento e de aprendizado.
Junte-se a nós! Sempre Alerta e Bons Ventos!



Boa navegação a todos! 
Capitão Gutemberg. 
Comandante da Embarcação MS Tradição.